Entre as várias deficiências físicas que atingem o homem, a cegueira deverá ser uma das que mais o diminuem. Talvez por isso sempre tive um enorme respeito pelos cegos. Considero a visão como uma das nossas maiores riquezas e a sua perda uma tragédia.

Certo dia encontrei na inquirição de testemunhas do processo de habilitação para familiar do Santo Oficio, feito em 1754, relativo ao Padre António José Pereira de Vasconcelos, então morador em Moncarapacho, alguém a declarar que o inquirido era neto de João Rodrigues do Rego, "o celebrado Mestre cego, que ensinou e foi morador em Tavira".

Muito me impressionou tal qualificação, tão pouco comum na pessoa de um cego.
Tomei, então, a decisão de procurar conhecer esta personagem, não obstante terem decorrido mais de três séculos e poderem ser escassas ou nulas as noticias que sobre ele existissem.

As pesquisas que vim a efectuar foram condicionadas por uma simples conversa de praia, numa manha de Agosto. A não ter existido, talvez tivesse sido mais difícil escrever este trabalho. Coincidência, sorte, ou o que quer que seja, estava então em conversa com o Dr. Rui Rosado Vieira a descrever-lhe o caso do mestre cego de Tavira. Pronto me disse: De Tavira não. Ele era de Campo Major. Tenho alguma coisa escrita sobre ele, amanhã trago-lhe!

Em boa hora ele tinha coordenado e transcrito uma nova edição de "Notícias da antiguidade, aumento e estado presente da vila de Campo Major tiradas de A.A. (autores), papeis autênticos e tradições antigas, e conservadas na -memória de seus naturais" escrito por Estêvão da Gama de Moura e Azevedo, entre 1 721 e 1734.

Estêvão da Gama de Moura e Azevedo nasceu em Campo Major em 1672, de antiga família da nobreza provincial. Foi governador da Praça de Campo Major entre 1705 e 1741, participou em diversas actividades militares tendo atingido o posto de general de batalha. Foi um dos cinquenta promotores da Academia Real da História.
Nesta obra, no capitulo "Catalogo de todas as pessoas naturais desta vila que floresceram em santidade, letras e armas", o autor inclui João Rodrigues do Rego, comprovando tal inclusão com os aspectos da sua vida que considerou mais relevantes.

Encontrei esta valiosa informação em “Bibliotheca Lusitana” de Diogo Barbosa Machado, escrito entre 1741 a 1759, a primeira bibliografia de autores de língua portuguesa editadas em Portugal.

[…]

Ao partilhar neste livro a informação encontrada, pretendo fazer recuperar a memória de quem foi considerado, com alguma razão, um dos notáveis de Campo Maior, pois em tempos e falta de notícias têm escurecido muitas glórias”.

Julgo que será a primeira voz algarvia a fazê-lo.